sexta-feira, 22 de junho de 2012

A Escola de Sagres nunca existiu!

A Escola de Sagres, criada pelo Infante D. Henrique para desenvolver a navegação, jamais existiu. Isso provavelmente não é novidade para os historiadores, estudantes de história ou mesmo para os mais jovens, mas, para mim, foi uma surpresa. Eu já havia ouvido falar que a Escola de Sagres não havia sido realmente uma “escola” – seria apenas uma reunião de cartógrafos, navegadores, estudiosos e construtores de navios. Mas as não tão novas pesquisas sugerem que a Escola de Sagres é simplesmente um mito. Será mesmo?

O primeiro a negar a existência da Escola de Sagres teria sido o historiador brasileiro Thomaz Marcondes de Souza, em 1953, seguido pelo português Luís de Albuquerque, em 1990. E em 2009 o historiador brasileiro Fábio Pestana Ramos, em seu livro Por mares nunca dantes navegados, conclui que "Não há prova factual, como vestígios arqueológicos ou documentos originais, que possam comprovar a existência de uma escola em Sagres". Segundo Pestana Ramos, as menções históricas à Escola de Sagres se baseiam apenas em um único mapa atribuído ao pirata inglês Francis Drake e datado do século XVI, que registrava algumas construções em Sagres na época – sem nenhuma referência à existência de uma escola de navegação. Ainda segundo Pestana Ramos, o mito teria sido criado no século XIX, quando o historiador português Oliveira Martins teria utilizado a existência de Sagres para construir uma identidade portuguesa baseada no amplo domínio de tecnologias de navegação. Mais detalhes aqui.

Hmm… Eu tenho certos questionamentos, pelo menos quanto a essa última afirmação, de que o mito teria sido criado pelos românticos portugueses no século XIX. Ora, o poeta escocês Mickle, em sua tradução de Os Lusíadas, de 1776, glorifica D. Henrique como o “gênio” que teria dado origem ao espírito da descoberta moderna, aquele que “nasceu para libertar a humanidade do sistema feudal e dar a todo o mundo todas as vantagens, todas as luzes que poderiam ser difundidas pelo intercâmbio do comércio ilimitado”. Mickle reproduz todos os elementos do “mito”, embora não utilize a expressão “Escola de Sagres”. No prefácio à sua tradução de Os Lusíadas, Mickle conta que D. Henrique convidou vários sábios a irem a Sagres, a cidade altamente fortificada em que ele fixara residência. De Sagres teriam vindo as bases da nova navegação portuguesa. Mickle cita também um trecho do poema "The Seasons”, de James Thomson, glorificando D. Henrique como o grande incentivador do comércio:

For then from ancient gloom emerg'd
The rising world of trade: the genius, then,
Of navigation, that in hopeless sloth
Had slumber'd on the vast Atlantic deep
For idle ages, starting heard at last
The Lusitanian prince, who, Heaven-inspir'd,
To love of useful glory rous'd mankind,
And in unbounded commerce mix'd the world.

O poema “The Seasons” terminou de ser escrito em 1730.

Acho que isso mostra que o “mito”, pelo menos na Inglaterra, é anterior aos românticos portugueses. Como vocês veem, os Estudos da Tradução podem ser bastante úteis nas pesquisas históricas. E vice-versa, claro.

[P.S. Este site traz informações mais detalhadas sobre o assunto. São explicações bem mais convincentes de como surgiu o mito da Escola de Sagres.]

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