terça-feira, 5 de junho de 2012

Alguns tópicos em "Life of Johnson" - Parte 2

2) LITERATURA E TRADUÇÃO

Uma questão sobre poesia que sempre se discutia na época de Johnson era quais temas eram considerados apropriados. Johnson comenta sobre “The Fleece” (A Lã), de John Dyer: “Não há como tornar esse assunto poético. Como se pode escrever poeticamente sobre sarja e droguete?” Comentando sobre “Sugar-Cane”, de James Grainger, ele diz que não é possível se escrever poesia sobre cana de açúcar. Se fosse, por que não poderíamos escrever também sobre um canteiro de salsa, ou “A Horta de Repolhos, um Poema”?

Essas frescuras de “tema apropriado” e “decoro” eram típicas do neoclassicismo, que ainda exercia forte influência na época de Johnson e Mickle. Homero ou Camões não eram tão “delicados” quanto os neoclássicos. Por isso, nos séculos XVII e XVIII, os tradutores precisavam expurgar os clássicos de suas “grosserias”. Eu já havia comentado sobre isto aqui (Fitzgerald eliminando do Rubaiyat as referências a “pernas de cordeiro”; De La Motte cortando metade da Ilíada em sua tradução). Mickle, com certeza, fez isso com Camões, também. Falaremos sobre isso, um dia.

Sobre tradução, Boswell diz que não sabe defini-la nem compará-la a nada, mas que acha que a tradução de poesia só poderia ser imitação. Johnson replica: “Pode-se traduzir livros de ciência com exatidão. Pode-se também traduzir história, desde que esta não esteja adornada com oratória, que é poética. A poesia, com efeito, não pode ser traduzida e, portanto, são os poetas que preservam as línguas; pois nós não nos daríamos ao trabalho de aprender uma língua se pudéssemos ler tudo o que foi escrito igualmente bem em uma tradução. Mas, como as belezas da poesia não são preservadas em qualquer outra língua além daquela em que foi escrita originalmente, nós aprendemos a língua”.

Outra conversa sobre tradução no grupo de Johnson:

Johnson: “Devemos avaliar o seu efeito como um poema inglês; é assim que se julga o mérito de uma tradução. Traduções são, em geral, para pessoas que não conseguem ler o original.” Boswell menciona a “opinião vulgar” de que o Homero de Pope não é uma boa representação do original. Johnson replica: “É o melhor trabalho que já foi produzido no gênero”. Boswell: “A verdade é que é impossível traduzir poesia com perfeição. Em uma língua diferente, podemos ter a mesma melodia, mas não o mesmo tom. Homero toca fagote; Pope, flajolé”. Harris (James Harris, político e gramático de Salisbury) acrescenta: “Acho que poesia heroica fica melhor em versos brancos; mas parece que o ritmo é essencial à poesia inglesa”.

Sobre os elementos pagãos das odisseias antigas (um tema que me interessa de perto), Johnson comenta: “O maravilhoso pagão não nos interessa: quando uma deusa aparece em Homero ou Virgílio, nós ficamos entediados; é pior ainda nas tragédias gregas, pois nesse tipo de composição é necessária uma maior aproximação com a natureza”. Apesar disso, ele via boas razões para que esse tipo de obra fosse lido, pela fertilidade da imaginação, a beleza do estilo e da expressão, assim como a curiosidade de entender o que encantava as pessoas naqueles países e naquela época. Mas “é evidente que ninguém que escreve agora pode usar as divindades e a mitologia pagãs”. Compreende-se, então, que o neoclassicismo estranhe tanto a mistura, em Camões, dos elementos pagãos e cristãos e que, nas traduções, procure suavizar a influência pagã. Por isso Mickle dedicou várias páginas da dissertação que acompanha a tradução de Os Lusíadas a explicar a presença dos elementos pagãos no poema e responder àqueles que criticavam essa presença – principalmente Voltaire.

Todos esses pontos que destaquei confirmam as impressões que eu já havia formado sobre o gosto da época.

Last but not least, Mickle. Ele é mencionado quatro vezes por Boswell em Life of Johnson. Em duas dessas vezes, Boswell se refere a ele como “Mr. Mickle, o tradutor de Os Lusíadas”, e em outra vez como “Mr. Mickle, o excelente tradutor de Os Lusíadas”. A primeira, a segunda e a quarta dessas menções são rápidas, do tipo “fui com Mr. Mickle à casa de fulano” ou “passei a tarde na casa de sicrano com Mr. Mickle”. A terceira menção é mais longa, consistindo em trechos de uma carta de Mickle escrita a Boswell alguns meses antes da morte de Mickle e vários anos após a morte de Johnson. Nessa carta, Mickle conta que conviveu com Johnson durante 12 anos e que Johnson sempre o tratou com muita amabilidade. Mickle relata uma discussão que tivera com Johnson durante a tradução de Os Lusíadas. Johnson dissera a Mickle: “Teria sido melhor para o mundo se o seu [Vasco da] Gama, o seu príncipe Henrique de Portugal e Colombo nunca houvessem nascido, e seus planos não tivessem ido mais longe do que suas próprias imaginações”. Mickle diz que foi essa declaração de Johnson que o estimulou a escrever a sua longa (longuíssima!) Introdução à tradução de Os Lusíadas, na qual, inclusive, cita essa mesma discussão e a frase de Johnson. Quando a tradução foi publicada, o Dr. Johnson comentou com Mickle: “O senhor se lembrou da nossa discussão sobre o príncipe Henrique, e também me citou. O senhor cumpriu a sua parte muito bem, com efeito: desenvolveu o seu argumento da melhor forma possível; mas ainda não estou convencido”.

Mickle conta também que o Dr. Johnson lhe teria dito, em 1772, que, cerca de 20 anos antes, ele próprio havia pensado em traduzir Os Lusíadas, obra em que via grande mérito, mas fora impedido devido a outros compromissos.

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