segunda-feira, 4 de junho de 2012

Alguns tópicos em "Life of Johnson" - Parte 1

Terminei de ler o Life of Johnson. Acho até que vou sentir saudades. Acostumei-me à presença do grandão. Autoritário e extremamente conservador, mas também generoso. Sempre dizia o que pensava, o que o tornava ao mesmo tempo temido e… fascinante.

Vou tentar fazer uma síntese dos pontos do livro que apresentam maior relevância para a minha tese. Nesta primeira parte falarei dos aspectos políticos e sociais; na segunda parte, de alguns tópicos ligados à literatura e tradução.

1) ASPECTOS POLÍTICOS E SOCIAIS

Deu pra sentir o quanto a Inglaterra da segunda metade do século XVIII era conservadora – pelo menos em comparação com os ideais democráticos que surgem com a Revolução Francesa e a Independência Norte-Americana. Mesmo que consideremos que Johnson fosse reacionário para a sua época, o fato de a opinião dele ser tão valorizada, inclusive politicamente, corrobora o reacionarismo do ambiente em que ele (e Mickle) viviam.

Algumas pérolas do pensamento sócio-político de Johnson (incluindo algumas do biógrafo, Boswell, por tabela):

- “Pobre não tem honra.” Ou seja, um homem rico podia alegar a “defesa da honra” se cometesse um assassinato, mas um pobre não podia fazer o mesmo.

- “Sou amigo da subordinação, como o que mais favorece a felicidade da sociedade. Há um prazer recíproco em governar e ser governado.”

- “Se todas as distinções fossem abolidas, o mais forte não mais se submeteria, mas tentaria obter superioridade por meio de sua força física. Mas, como a subordinação é muito necessária para a sociedade, e as disputas por superioridade muito perigosas, a humanidade, ou seja, todas as nações civilizadas, entraram em acordo a respeito de um princípio invariável comum. Um homem nasce em uma posição hereditária; ou então, ao ser nomeado para certos postos, adquire uma certa posição. A subordinação favorece em muito a felicidade humana. Se todos fôssemos iguais, não teríamos nenhum outro divertimento além do mero prazer animal.”

- Não há como negar que ele sabia usar de seu humor ferino para defender suas posições. Ele conta que, certo dia, na casa de Mrs. Macaulay, “uma grande republicana”, ele lhe disse: “Senhora, eu agora me converti ao seu modo de pensar. Estou convencido de que toda a humanidade está em pé de igualdade e, para lhe dar uma prova incontestável de que estou falando sério, aqui está um cidadão muito sensato, civilizado e bem-comportado: o seu lacaio [footman]. Desejo que ele seja autorizado a se sentar e jantar conosco”. Johnson comenta, então, ao relembrar a cena: “Desta forma, eu mostrei a ela o absurdo da doutrina da igualdade. Desde então, ela deixou de gostar de mim. Os defensores da igualdade querem baixar o nível dos que estão acima deles até o seu próprio nível, mas não querem elevar o nível dos que estão abaixo até o nível deles mesmos. Todos querem ter algumas pessoas abaixo do seu nível; por que, então, não deveria haver algumas pessoas acima deles?”

- “Os seres humanos são mais felizes em um estado de desigualdade e subordinação. Se fossem colocados em estado de igualdade, logo denegerariam em animais. [...] Todo o aperfeiçoamento intelectual vem do lazer; todo lazer vem de um trabalhar para o outro.”

- Apesar de discordar das ideias de Rousseau, Boswell simpatizara com ele, ao conhecê-lo pessoalmente, e pergunta a Johnson se considera, realmente, Rousseau uma má pessoa. Johnson se irrita muito e responde: “Considero-o um dos piores homens; um canalha que deve ser expulso da sociedade, como tem sido. Três ou quatro nações já o expulsaram, e é uma vergonha que ele seja protegido neste país”.

- Boswell então pergunta a Johnson se considera Rousseau tão ruim quanto Voltaire. Johnson responde: “É difícil fixar a proporção de iniquidade entre esses dois”.

- Boswell defende os norte-americanos em sua luta pela independência, mas Johnson se irrita só de ouvir falar neles: “Eu me disponho a amar toda a humanidade, exceto os norte-americanos”.

- Além do preconceito contra os norte-americanos, Johnson também desprezava os escoceses. É preciso reconhecer que, mesmo assim, ele se tornou amigo de vários escoceses, como o próprio Boswell. E Mickle, embora este não fosse assim tão próximo de Johnson.

- Quanto aos povos orientais (East-Indians, como eram chamados pelos ingleses da época), Johnson os considera “uns bárbaros”. Boswell pergunta se ele não abriria uma exceção para os chineses, pois estes haviam desenvolvido alguma arte. Johnson responde, em tom de desprezo, que a arte dos chineses se limita à cerâmica...

- O machismo também imperava na Grã-Bretanha do século XVIII. Quando uma certa Mrs. Knowles, uma Quaker, o questiona a respeito da diferença dos níveis de liberdade entre homens e mulheres (por exemplo, em termos de necessidade de manter fidelidade no casamento), Johnson responde que “se exigimos mais perfeição das mulheres do que de nós mesmos, estamos lhes prestando uma homenagem. E as mulheres não têm as mesmas tentações que nós temos: elas podem viver sempre em companhias virtuosas; os homens devem se misturar ao mundo de forma indiscriminada. Se uma mulher não tem propensão a fazer o que é errado, ser impedida de o fazer não é uma restrição a ela”. Mrs. Knowles insiste em que há mais tolerância para com os homens do que para com as mulheres. Johnson replica: “É evidente, senhora, que um ou outro precisa ter a preferência. Como diz Shakespeare, se dois homens montam em um cavalo, um deles precisa montar atrás”.

- Tanto Boswell quanto Johnson chamam David Hume de “infiel”, pois Hume declarava não ter religião. E tanto Boswell quanto Johnson achavam inaceitável até mesmo conversar com um infiel! Boswell chega a dizer que um infiel como Hume merecia ser chutado escada abaixo. Johnson concorda com ele.

- Surpreendentemente, contudo, Johnson era contra a escravidão – ao contrário de Boswell. Johnson achava que a escravidão jamais poderia ser considerada o estado natural dos seres humanos: “Nenhum homem é, por natureza, propriedade de outro”.

- Quando Johnson não estava sendo sectário e dizendo coisas como “O Diabo foi o primeiro Whig”, ele até que era um bom filósofo político. Nesta análise, por exemplo: “Um Tory sábio e um Whig sábio, acredito, concordarão. Seus princípios são os mesmos, embora suas maneiras de pensar sejam diferentes. Um Tory radical torna o governo ininteligível; ele se perde nas nuvens. Um Whig violento o torna impraticável; ele permite tantas liberdades a todos os homens que não resta poder suficiente para governar nenhum homem. O Tory tende a favorecer demais a instituição; o Whig, a inovação. Um Tory não deseja conceder mais poder real ao governo; mas esse governo deve ter mais reverência. Assim, eles também diferem sobre a Igreja. O Tory não deseja conceder mais poder legal ao clero, mas deseja que ele tenha uma influência considerável, fundada na opinião da humanidade; o Whig quer limitá-lo e vigiá-lo com estreito ciúme”.

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito saboroso. Em especial por estar lá longe no passado. Lá longe, em todo lugar hoje.

Cláudia Martins disse...

É verdade, é algo razoavelmente distante, mas, às vezes, nem tanto... Às vezes nos chegam inacreditáveis ecos do passado!

Obrigada, querido Caius.

Postar um comentário