domingo, 29 de abril de 2012

O Dicionário de Johnson

O Dicionário foi, sem dúvida, uma obra admirável, ainda mais considerando-se que Johnson o fez praticamente sozinho. Ele trabalhava com seis secretários, é verdade, e recebeu ajuda de outros literatos em questões etimológicas – mas uma ajuda quase insignificante, diante das proporções da tarefa.

O Dicionário incluía também uma Gramática e uma História da Língua Inglesa. Uma das características que davam brilho ao Dicionário era que as 40 mil palavras que o compunham tinham o seu uso ilustrado pelos melhores autores desde a Era Elizabetana. O Dicionário teria, segundo Boswell, conferido estabilidade à língua inglesa.

Mas, como seria de se esperar, o Dicionário tem certas idiossincrasias. Algumas definições, reconhece Boswell, são erradas ou imprecisas. “Windward” (barlavento) e “leeward” (sotavento), palavras de sentido oposto, são definidas exatamente da mesma maneira: “towards the wind” (em direção ao vento). Sem maiores explicações.

Boswell conta que, certa vez, uma senhora perguntou a Johnson como ele havia chegado a definir “pastern” (quartela) como “joelho de cavalo”. Em vez de dar alguma resposta complicada, ele respondeu apenas: “Ignorância, madame, pura ignorância”. Esse erro foi corrigido alguns anos depois. Na versão do Dicionário que tenho aqui comigo, “pastern” está definido como “That part of the leg of a horse between the joint next the foot and the hoof” (parte da perna de um cavalo entre a junta próxima à pata e o casco).

A definição de “network” (rede) é um bom exemplo de como tornar obscuro algo que é aparentemente simples: “Any thing reticulated or decussated, at equal distances, with interstices between the intersections” (qualquer coisa reticulada ou decussada, a iguais distâncias, com interstícios entre as intersecções).

Muitas vezes Johnson deu sua opinião pessoal nas definições, o que, hoje em dia, seria considerado inaceitável. Ele definiu “Tory” como “One who adheres to the ancient constitution of the State, and the apostoIical hierarchy of the church of England” (alguém que adere à antiga Constituição do Estado e à hierarquia apostólica da Igreja da Inglaterra) e “Whig” como “the name of a faction” (nome de uma facção). Por aí já se vê com qual grupo ele se identificava!

Igualmente reveladora, a definição de “oats” (aveia) mostra o preconceito de Johson contra os escoceses: “A grain, which in England is generally given to horses, but in Scotland appears to support the people” (um cereal que na Inglaterra é geralmente dado a cavalos, mas que, aparentemente, na Escócia sustenta o povo).

Vocês podem ler outras definições curiosas do Dicionário de Johnson aqui. Observem, no entanto, como comentou o organizador dessa página, que esses são apenas alguns deslizes bizarros cometidos pelo dicionarista. Considerado como um todo, o Dicionário de Johnson é muito bom.

sábado, 28 de abril de 2012

Drinking Song to Sleep

Nada a ver com a mnha pesquisa de doutorado, mas vi a menção a essa canção em Life of Johnson e a achei divertida.

Drinking Song to Sleep

Great God of Sleep, since it must be,
That we must give some Hours to thee,
Invade me not while the free Bowl
Glows in my Cheeks, and warms my Soul;
That be my only Time to snore.
When I can laugh, and drink no more;
Short, very short be then thy Reign,
For I'm in haste to laugh and drink again.

But O! if melting in my Arms,
In some soft Dream, with all her Charms,
The Nymph belov'd should then surprize,
And grant what waking she denies;
Then, gentle Slumber, pr'ythee stay,
Slowly, Ah! slowly bring the Day,
Let no Rude Noise my Bliss destroy,
Such sweet Delusion's real Joy.

Lord Lansdowne

Mickle, Dr. Johnson, Patronato (II): Dr. Johnson e os patronos (continuação da post anterior)

Pelo que tenho lido até agora em Life of Johnson, a imagem de Carpeaux, da carta de Johnson a Lorde Chesterfield como a “Declaração de Independência da literatura” é um tanto exagerada. As coisas não mudaram assim, da noite para o dia. É verdade que Johnson conseguiu publicar várias obras sem patrocínio de aristocratas, mas ele estava sempre buscando esse patrocínio.

No início de sua vida de escritor, Johnson sofreu muito com a dificuldade de encontrar patrocínio. Citando Boswell em Life of Johnson, p. 81, em tradução minha, sobre a tragédia Irene, de Johnson:

Fleetwood não quis aceitá-la, provavelmente porque ela não tinha o patrocínio de nenhuma figura proeminente; e só foi representada em 1749, quando seu amigo David Garrick virou administrador daquele teatro.

A seguir, na p. 91, sobre o poema London, escrito em 1738:

Geralmente se diz, não sei com que grau de verdade, que Johnson ofereceu London a vários livreiros e que nenhum deles quis comprá-lo. Mr. Derrick alude a esse fato nos seguintes versos de sua Fortune, a Rhapsody:

Will no kind patron JOHNSON own?
Shall JOHNSON friendless range the town?
And every publisher refuse
The offspring of his happy Muse?

A história da carta a Lorde Chesterfield é a seguinte: quando Johnson resolveu escrever seu dicionário, enviou a Lorde Chesterfield, um dos principais secretários de Estado do rei, o projeto de criação do dicionário. Lorde Chesterfield se expressou de modo muito favorável em relação ao projeto, mas nunca fez nada para dar apoio à sua realização. Quando, depois de nove anos de muito trabalho, Johnson estava prestes a publicar o Dicionário, Lorde Chesterfield, que esperava que Johnson fosse lhe dedicar a obra, escreveu dois artigos de elogios ao Dicionário no The World, um periódico londrino da época. Foi então que Johnson redigiu a célebre carta a Lorde Chesterfield, que vocês podem ler na íntegra aqui, em inglês, e da qual traduzo em seguida alguns trechos:

Sete anos se passaram, meu senhor, desde o tempo em que ficava esperando em sua antessala ou via suas portas me serem cerradas; durante esse tempo, continuei meu trabalho, apesar das dificuldades, das quais seria inútil me lamentar agora, até, finalmente, tê-lo concluído para a publicação, sem o menor gesto de ajuda, palavra de encorajamento, ou sorriso de aprovação. Tal tratamento eu não esperava, pois eu jamais havia tido um patrono. […]

Não é um patrono, meu senhor, alguém que olha com indiferença para um homem que se debate dentro da água e, quando este consegue chegar à terra, cumula-o de ajuda? […]

Espero que não seja uma grosseria por demais impudente não reconhecer obrigações quando nenhum benefício foi recebido, ou não desejar que o público considere que devo a um patrono algo que a Providência me possibilitou fazer por mim mesmo.

Lorde Chesterfield não respondeu à carta nem se manifestou publicamente a seu respeito.

Mesmo depois da carta a Lorde Chesterfield e do prefácio ao dicionário, Johnson continuou à procura de patronos. Na p. 216 de Life of Johnson, Boswell conta que, em 1756, Johnson descobriu que, apesar da grande fama de seu Dicionário, ele ainda precisava ganhar o pão de cada dia. Diz Boswell: “Nenhum patrono da realeza ou nobreza estendia uma generosa mão para dar independência ao homem que havia conferido estabilidade à língua de seu país”.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Mickle, Dr. Johnson, Patronato (I)

(Já comentei anteriormente, neste mesmo blog, a respeito do patronato (ou patronagem), ao falar sobre Lefevere, aqui.)

William Julius Mickle nasceu em 1735 em Langholm, Dumfriesshire. Era filho de um pastor da igreja escocesa que, ao morrer, lhe legou uma… fábrica de cerveja. Mas Mickle não levava jeito para a administração de negócios, e a cervejaria acabou falindo. Mudou-se então para Londres para tentar ganhar a vida como poeta e escritor.

Em 1762, quando Mickle se mudou para Londres, obter o patrocínio de algum aristocrata era o caminho “natural” para um escritor ser bem-sucedido no sistema literário. Mickle se deu muito mal nesse aspecto… Mas ele conseguiu, pelo menos, ficar amigo de intelectuais influentes, como o célebre Samuel Johnson, renomado escritor e autor de um dicionário de inglês que, durante 150 anos, até o lançamento do Oxford English Dictionary, foi considerado o principal dicionário da língua inglesa.

Otto Maria Carpeaux, em sua monumental História da Literatura Ocidental, diz, a respeito do prefácio do dicionário de Johnson:
O mais famoso prefácio-desafio, é, porém, o do Dr. Samuel Johnson para seu Dicionário de 1755. Todo mundo esperava dedicatória dessa obra a Lorde Chesterfield, o grande mecenas, do qual ninguém sabia que tinha tratado de lacaio o erudito lexicógrafo. Em vez da dedicatória escreveu Johnson um prefácio em que descreveu, de maneira emocionante, sua pobreza, suas atribulações, e declarou não dever nada ao Lorde e aos grandes, nem sequer uma dedicatória. Esse prefácio é um documento histórico. É de 1755. Significa o fim da época em que os literatos viviam da ajuda dos grandes senhores. É o começo da era burguesa: em vez dos grandes senhores, o grande público.
Johnson escreveu ainda uma carta para o Lorde Chesterfield que, ainda de acordo com Carpeaux, é a “Declaração de Independência da literatura”.

Mickle viveu, portanto, nesse interessante momento de transição entre o domínio aristocrático e o burguês. Para conhecer melhor a vida cultural da época, estou lendo a biografia do Dr. Johnson, Life of Johnson, escrita por James Boswell. Atenção: são 1496 páginas!!! Postarei alguns comentários sobre esse livro (dando, inclusive, mais detalhes sobre a carta ao Lorde Chesterfield), ao longo dos próximos dias.

(Não tem muito a ver com o meu tema específico, mas alguns de vocês talvez se lembrem da sátira de Blackadder ao dicionário do Dr. Johnson, Ink and Incapability, engraçadíssima.)

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Projeto de doutorado – uma introdução à introdução

Difícil saber por onde começar, quando se tem tanta pesquisa acumulada sobre um tema. Mas pensei em contar pra vocês, em linhas generalíssimas, qual é o meu projeto de doutorado.

Em poucas palavras: vou analisar a tradução de Os Lusíadas, de Camões, para o inglês feita pelo poeta escocês William Julius Mickle, publicada em 1776.

Os Lusíadas todos vocês conhecem (pelo menos alguns trechos e o enredo), por isso não vou dar aqui maiores explicações a respeito da obra. Existem mais de dez traduções completas de Os Lusíadas para o inglês, e um número muito maior de traduções incompletas ou de pequenos trechos.

Mickle não foi o primeiro a traduzir Os Lusíadas para o inglês; essa primazia coube a Sir Richard Fanshawe, em 1655. A tradução de Fanshawe, contudo, foi lida apenas entre um grupo muito restrito de intelectuais, caindo depois no esquecimento. A tradução de Mickle, a segunda para a língua inglesa, alcançou uma repercussão muito maior, sendo, até hoje, a mais lida e citada de todas as traduções da obra para o inglês.

Aos poucos eu vou fornecer a vocês mais detalhes sobre Mickle e sua tradução.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Previsão de lançamento e títulos dos livros da Lesley Livingston

Minha querida editora Camile Mendrot, da Ab Aeterno, acaba de me informar que a editora Gutenberg pretende lançar Wondrous strange em novembro deste ano, e que o título será, como Angela (minha irmã) e eu havíamos sugerido (entre outras possibilidades), Estranhas maravilhas. (Como comentei ontem aqui, “wondrous strange” evoca uma frase do Shakespeare em Hamlet: “O day and night, but this is wondrous strange!”)

E Once every never, o outro livro da Lesley Livingston que traduzimos (e que não faz parte da mesma série de Estranhas maravilhas, mas sim de uma outra trilogia que a autora ainda não terminou de escrever), deverá ser lançado em fevereiro ou março de 2013, com o título, também sugerido pelas tradutoras, Uma vez a cada nunca. É um título que provoca certa estranheza inicial, mas… tem tudo a ver.

É isso aí. Fantasia. Estranhas maravilhas. Momentos tão raros que só acontecem uma vez a cada nunca! Agora é esperar.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Wondrous Strange e Darklight

Minha irmã e eu terminamos de traduzir o primeiro livro da trilogia da Lesley Livingston, Wondrous strange, e estamos agora chegando à metade do segundo, Darklight.

Já comentei um pouco sobre Wondrous strange aqui no blog – vocês podem ler todas as mensagens sobre as nossas traduções dos livros da Lesley Livingston aqui. Não posso contar muito mais porque não quero estragar as surpresas da série. Sobre Wondrous strange, eu apenas gostaria de comentar ainda que o título evoca o Hamlet, de Shakespeare: “O day and night, but this is wondrous strange!”. A expressão foi traduzida por Millôr Fernandes, nesse contexto, como “espantosamente estranho”. Não sei ainda que título a editora irá escolher para a tradução.

Sobre Darklight, o que posso dizer por enquanto é que as intrigas e disputas entre os seres mágicos, já iniciadas em Wondrous strange, são aprofundadas. Passamos a conhecer melhor as quatro cortes do Reino Encantado: a Corte do Inverno, governada por Auberon; a do Verão, regida por Titânia; a do Outono, onde reina a apaixonada, alucinada e muitas vezes cruel Mab; e a da Primavera, sob o domínio do misterioso Gwynn Ap Nudd. Enquanto em Wondrous strange o principal mistério envolve a origem de Kelley, em Darklight é o passado de Sonny que será desvelado.

Em Wondrous strange a peça representada dentro do livro (Kelley, a principal protagonista feminina, é atriz) era Sonho de uma noite de verão. Em Darklight, é Romeu e Julieta. Será que isso é o prenúncio de um fim trágico?! Vocês só saberão quando lerem…

terça-feira, 3 de abril de 2012

Despedindo-me dos franceses

A dificuldade de se trabalhar para firmas europeias é: como receber o pagamento sem que as taxas de transferência sejam tão altas que esse tipo de serviço passe a não valer a pena em termos financeiros?

Eu vinha realizando pequenos trabalhos de tradução para uma firma francesa, como comentei anteriormente aqui e aqui. Recebia em média cerca de 150 euros por mês por um trabalho que exigia de mim apenas algumas horas por semana. O Bradesco me descontava 15 dólares a cada transferência (SWIFT). Ora, acontece que, desde o início do ano, o Bradesco passou a cobrar 40 dólares. Isso fez toda a diferença.

O Itaú cobra, se não me engano, R$ 140,00 de taxa a cada transferência. O Santander, entre R$ 90,00 e R$ 200,00 por transação. Acho que os outros bancos cobram taxas igualmente elevadas.

Não adianta usar o Moneybookers, porque depois o dinheiro tem de “cair” em algum banco brasileiro, e aí… lá vem taxa. E o Western Union, pelo que me disseram, só aceita transferências de pessoa física para pessoa física.

Para quem presta serviços de tradução para empresas norte-americanas, o Xoom parece ser uma ótima solução: cobra menos de 5 dólares por transferência. Mas se a empresa é europeia, só a PayPal oferece serviço semelhante, e eles cobram 10% (ou seria 7,5%?) sobre cada transação. Continua sendo muito alto pra mim.

Não valia a pena continuar. A separação foi em termos amigáveis, com promessas de novos contatos em condições melhores no futuro, e eu preciso mesmo dedicar mais tempo à minha tese de doutorado. Mas não consigo deixar de me perguntar por que os bancos cobram taxas tão extorsivas, e se não interessa a ninguém resolver essa situação, para que aqueles que prestam pequenos serviços para firmas estrangeiras possam receber seu pagamento.