terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Lançamento - Vilém Flusser: a tradução na sociedade pós-histórica

Meu livro ficou pronto! Não vai dar pra fazer festinha de lançamento agora, no final do ano, mas no ano que vem a gente prepara alguma coisa.

Estou na maior correria, ainda nem vi como ficou o livro pronto… Mas aqui vai o anúncio:

Conhecido mundialmente por suas ideias sobre os novos meios de comunicação e a sociedade pós-histórica, o filósofo tcheco-brasileiro Vilém Flusser desenvolveu também interessantes reflexões a respeito da língua e da tradução. Para Flusser, a tradução é uma das poucas possibilidades de superação dos horizontes da língua, lançando pontes entre os diversos ramos de conhecimento, articulando os diferentes sistemas simbólicos e permitindo a compreensão das diversas realidades. Neste livro, as ideias e a prática tradutórias de Flusser são analisadas no esforço de identificar o lugar ocupado pela tradução no pensamento humano e em um mundo em que a escrita está perdendo espaço para as tecnoimagens.

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Vilém Flusser: A tradução na sociedade pós-histórica encontra-se à venda no site da Editora Humanitas, na Livraria Humanitas-Discurso e em todas as distribuidoras que possuem parceria com a Humanitas.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Cosac Naify homenageia Drummond

Meu amigo Milton Ohata, da Cosac Naify, me envia convite para a comemoração do lançamento das novas edições de Confissões de Minas e Passeios na ilha, duas obras-primas de Carlos Drummond de Andrade.

No evento, o músico Paulinho da Viola (em vídeo), os poetas Francisco Alvim (também em vídeo) e Heitor Ferraz e o artista plástico, escritor e compositor Nuno Ramos darão depoimentos sobre Drummond e lerão trechos dos livros agora reeditados.

THEATRO EVA HERZ - LIVRARIA CULTURA
12/12, segunda-feira, às 19h30
Conjunto Nacional - Av. Paulista, 2073, São Paulo (SP)
Mais informações: (11) 3170-4033
capacidade de 300 lugares - retirada de ingressos com 1 hora de antecedência

e-mkt-drummond

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Pós-Graduação em Estudos da Tradução na FFLCH-USP

O Prof. Dr. John Milton informa que foram aprovados os programas de mestrado e doutorado em Estudos de Tradução na FFLCH-USP. Os dois programas começarão com Nota 4 da Capes em agosto de 2012.

Esses programas, embora façam parte do Departamento de Letras Modernas, estarão abertos à participação de professores de outros departamentos. Trata-se, portanto, de uma importante iniciativa de integração entre os vários departamentos da Faculdade de Letras. Vai ser muito interessante termos discussões sobre tradução entre alunos e professores de línguas diferentes. Não só inglês, francês, alemão e italiano, mas também chinês, árabe, hebraico…

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Wondrous Strange

Minha irmã e eu terminamos de traduzir Once Every Never. Foi um livro bem divertido de traduzir. (Para aqueles que estão na expectativa, fiquem tranquilos: quando a editora publicar o livro eu anuncio aqui no blog.)

Agora estamos começando a traduzir Wondrous Strange, da mesma autora, a canadense Lesley Livingston. Wondrous Strange é o primeiro livro de uma trilogia. É novamente fantasia, mas dessa vez tem a ver com faeries no Central Park e… Shakespeare. Há muitas citações de Sonho de uma noite de verão. À primeira vista, as maiores dificuldades serão mesmo traduzir as citações de Shakespeare de modo que elas fiquem plenamente integradas ao texto e lidar com o vocabulário desses seres do reino das… fadas? elfos?… que é um tanto estranho para nós, brasileiros, falantes do português. Pois é, a começar do problema de traduzir “faerie” como “fada”. Será que rola? “Rei das Fadas”? E “changeling”? Traduzir ou não traduzir – eis a questão. E Seelie Court? E, pior, Unseelie Court?

É isso aí. Muitas decisões pela frente.

Scientia Traductionis n. 10

Puxa, saiu o número 10 da revista Scientia Traductionis. Muitos artigos sobre tradução de textos clássicos! Um deles até fala sobre o prefácio do Pope para a tradução da Ilíada. Preciso ler! Mas cadê o tempo???

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Cadernos de Tradução n. 27

Saiu o número 27 da revista Cadernos de Tradução, com artigos muito interessantes de vários autores, em diversas línguas.

Neste número foi publicada também a resenha que escrevi para o livro Pensar entre línguas: a teoria de tradução de Vilém Flusser, de Rainer Guldin, traduzido por Clélia Barqueta e Murilo Jardelino da Costa. Esse livro do Guldin foi, na verdade, a grande inspiração para todo o trabalho que desenvolvi sobre o Flusser.

Link para o n. 27

Link direto para a resenha

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

“Vampyroteuthis infernalis” em português

Acabo de saber que esta noite, em São Paulo, será lançado o Vampyroteuthis infernalis do Flusser em português. Não vou poder ir, mas fico muito feliz com a notícia.

Em Vampyroteuthis infernalis, Flusser mistura fantasia, biologia e fenomenologia para descrever um tipo raro de polvo que vive nos mares abissais. O que o interessa no Vampyroteuthis é que essa espécie seria a mais desenvolvida de um ramo divergente daquele que levou ao surgimento dos seres humanos. Ele seria o nosso antípoda e, ao conhecê-lo, poderíamos conhecer melhor a nós mesmos. O que Flusser busca na ficção (assim como na tradução) é a possibilidade de contemplar o jogo de fora... Nessa fábula, Flusser acaba fazendo um retrato dos próprios seres humanos sob a visão do octópode.

Não sei se essa edição da Annablume incluirá os fantásticos desenhos do artista, biólogo e “zoosistematicista” Louis Bec que acompanham a edição em alemão. Espero que sim! (Louis Bec, a quem vi pessoalmente alguns anos atrás, é um enormíssimo cronópio.)

O lançamento será às 19h30, no Espaço Cultural b_arco (Rua Dr. Virgílio de Carvalho Pinto, 426, Pinheiros).

TradTerm agora online (inclusive os vols. 17 e 18)

A revista TradTerm, do Centro Interdepartamental de Tradução e Terminologia da FFLCH-USP, agora está disponível online integralmente, nesta página.

O volume 18 acaba de ser lançado, com artigos muito interessantes.

E o volume 17, em que foi publicada a minha resenha sobre o livro de Susana Kampff Lages sobre Walter Benjamin, também está disponível. Vocês podem ler a minha resenha aqui.

domingo, 27 de novembro de 2011

Alun Armstrong em “Les Misérables”

Este é pra vocês começarem a entender por que sou fã do Alun Armstrong…

Agradeço ao meu amigo Guian pelo link!

P.S. Link atualizado em 04/04/2013.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Garrow’s Law, início da terceira temporada

Estou gostando muito da terceira temporada de Garrow’s Law. A minha favorita ainda é a segunda, mas a terceira está mantendo o (elevado) nível geral. O primeiro episódio abordou a questão de como era tratada a loucura judicialmente no final do século XVIII. O segundo tratou dos luditas e do início do sindicalismo nessa mesma época. E os dois epísódios enfocaram também a questão da espantosa e quase absoluta falta de direitos das mulheres até então.

Para os fãs da série que leem em inglês, eu recomendo enfaticamente o blog de Mark Pallis, o responsável pela pesquisa histórica da série. Lá vocês vão encontrar detalhes dos processos em que os epísódios se basearam, vídeos com cenas de bastidores, entrevistas com os atores e até um pequeno documentário, que foi lançado no DVD da segunda temporada, a respeito do verdadeiro William Garrow.

sábado, 12 de novembro de 2011

Do conceito à imagem: a cultura da mídia pós-Vilém Flusser

Meu amigo Murilo Jardelino me enviou essa convocação. Reproduzo-a aqui ipsis litteris.

Do conceito à imagem: a cultura da mídia pós-Vilém Flusser

5 a 7 de dezembro de 2012 | Natal, Brasil

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), PPgEM, PpgCS,
em colaboração com o Arquivo Vilém Flusser da Universidade das Artes, de Berlim, e o Instituto da História da Comunicação e Estudos Culturais Aplicados da Universidade Livre de Berlim, Alemanha

Organização: Angela Almeida (Natal), Josimey Costa (Natal),
Michael Hanke (Natal), Juciano Lacerda (Natal), Angela Pavan (Natal), Gilmar Santana (Natal), Steffi Winkler (Berlim)

Nossa comunicação e, conseqüentemente, nosso mundo estão submetidos constantemente a mudanças fundamentais. A aceleração das novas tecnologias contribui para transformações radicais. O crescimento do fluxo das informações na realidade midiatizada e globalizada modifica parâmetros básicos do nosso mundo: fragmentos até então desconectados, agora dados em presença simultânea, formatam a estrutura das coisas e do próprio pensamento e modificam as categorias do espaço e do tempo. Essa nossa cultura midiática se baseia, obviamente, cada vez mais em imagens fragmentadas e cada vez menos em conceitos complexos. Aparelhos técnicos e memórias eletrônicas expandem as fronteiras da nossa vida real até o espaço virtual. Em conseqüência, o significado de nós mesmos e da realidade se altera substancialmente.

Um dos primeiros pensadores a refletir filosoficamente sobre essas mudanças foi Vilém Flusser. Ele chega a constatá-las utilizando a análise dos termos “comunicação”, “sociedade de informação”, “cultura midiatizada” e “crise da linearidade”. O código linear e conceitual, presente na escrita, no texto e no livro está sendo substituído por um código estruturado por imagens, que se manifesta em imagens em movimento e nas superfícies dos aparelhos técnico-digitais. A mudança dos nossos códigos culturais, nossas estruturas de pensamento e modelos do mundo em conseqüência da transformação da sociedade causada pela tecnologia, foi considerada por Flusser como irreversível. Enquanto isso, cada código constitui seu próprio modo de pensar, o que, por sua vez, define a percepção, os conceitos de tempo e espaço, como também os atores-sujeitos agindo nesse mundo. Ao mesmo tempo, constitui a base dos modelos de pensamento que operam na ciência, na lógica, na arte e na política. Essa mudança de paradigmas é baseada, entre outros, na retificação de nossos canais de comunicação e no papel do computador como memória externalizada. A crítica da cultura flusseriana, que ganhou forma como utopia positiva da sociedade telemática, apresenta-se hoje, surpreendentemente em muitos aspectos, bem atual.

O encontro ’’Do conceito à imagem: a cultura da mídia pós Vilém Flusser“ pretende refletir em que medida as análises e pensamentos de Flusser ainda são pertinentes, e se propõe a oferecer uma plataforma para os interessados em questões filósoficas-midiáticas que reconhecem as teorias de Flusser como ponto de referência. Nesse sentido, levantam-se as perguntas: Qual relação se estabelece entre o código linear e o código digital, zerodimensional e computado? O código linear, realmente, se torna insignificante? Quais relações existem entre o código linear e o código imagético? E hoje, como se apresentam as consequências previstas por Flusser, positivas e negativas, ou seja, as possibilidades e os riscos, vantagens e desvantagens? Como a transformação das categorias de tempo e espaço modifica as nossas dimensões de agir? A impossibilidade de distinguir entre fatos e ficção, defendida por Flusser, realmente se aplica à situação vigente? Qual é a relação entre a sociedade telemática de Flusser e as redes sociais de hoje? Quais aplicações empíricas que a abordagem flusseriana oferece? E quais correlações com outros pensadores, complementações e críticas seriam indicadas?

Como o princípio da obra filosófica de Flusser é o diálogo entre as disciplinas e metodologias, abre-se assim a possibilidade de expandir um vasto campo de relações entre ciência e arte, estudos das mídias e estética, mídias antigas e novas e, indiscutivelmente, entre o olhar e o pensamento por meio de aparelhos. Assim, o encontro vai ser também composto de uma exposição que pretende construir coletivamente uma grande imagem em rede constituída de painéis de expressões com elementos e formas heterogêneas, discursivas e perceptivas, inscrições informacionais ou tecnológicas, plásticas ou não, que operam a partir da obra de Flusser e suas relações possíveis, visando uma potência poética dos trabalhos. Nesses termos, leva em conta as dimensões da obra de Flusser nos dois países, isto é, Brasil e Alemanha e se entende como parte da cooperação acadêmica entre os dois. Os idiomas do encontro são alemão, inglês e português.

Propostas em forma de resumos expandidos (entre 4.000 e 6.000 caracteres) devem ser enviadas até 31 de dezembro para: Flusser2012@cchla.ufrn.br

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

O retorno dos mortos

Para mim tudo começou com Borges, quando ele disse, no célebre ensaio “Kafka e seus precursores”, que o autor “cria seus precursores”. A coisa se complica (labirintos…) se pensarmos na relação entre Borges e Macedonio. Como diz Luís Othoniel, neste interessante artigo: “Em muitos aspectos, Borges cria Macedonio, não só porque Macedonio é um personagem frequente na obra de Borges, mas também porque o leitor contemporâneo só lê Macedonio depois de ler Borges. Assim, aspectos fundamentais da obra de Borges aparecem na de Macedonio como se fossem a influência do discípulo sobre o mestre. Por exemplo, a premissa de Borges em Kafka e seus precursores (1952) já aparece em um ensaio de Macedonio publicado em 1910: ‘Necessidade de uma teoria que estabeleça como não é o segundo inventor mas o primeiro que comete o plágio’. Porém, para o leitor de Macedonio, esse seu ensaio de 1910 parece ser um plágio do ensaio de Borges de 1952”.

Em A angústia da influência [1], Harold Bloom aplica à literatura o conceito de apophrades, ou o retorno dos mortos. Na Antiguidade, esse termo indicava os dias nos quais os mortos de Atenas voltavam às casas onde haviam vivido. Um fenômeno semelhante ocorreria com os “poetas fortes”. Os poetas mortos retornam, mas retornam com as cores e as vozes dos poetas posteriores. O estranho efeito daí decorrente é que o sucesso do novo poema faz com que pensemos não que o precursor o escreveu, mas que o novo poeta escreveu a obra do precursor. É como se os poetas fortes estivessem sendo imitados por seus ancestrais. Essa noção é mais radical do que a de Borges, segundo Bloom, porque o precursor se coloca na obra do poeta posterior a ponto de determinadas passagens em sua obra parecerem não como presságios do advento do poeta posterior, mas sim como estando em débito com este, e mesmo (necessariamente) diminuídas pelo seu maior esplendor.

Depois disso tudo, não é de estranhar que Michael Riffaterre [2] admita a possibilidade de se interpretar uma figura presente no monólogo de Molière a partir de uma figura semelhante presente no teatro de Brecht. Ao ler uma obra, o leitor dá continuidade a ela, e a memória do leitor introduz esse tipo de anacronia.

[1] Cito a partir do original: BLOOM, Harold. The anxiety of influence: a theory of poetry. New York/Oxford: Oxford University Press, 1997.

[2] apud SAMOYAULT, Tiphaine. A Intertextualidade. Trad. de Sandra Nitrini. São Paulo: Hucitec, 2008, p. 25.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

A volta de “Garrow’s Law”

A BBC acaba de confirmar aqui a data de exibição do primeiro episódio da terceira série de Garrow’s Law. Será no domingo, 13 de novembro, às 9pm (horário britânico, naturalmente). Na BBC1.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Drummond tradutor

Hoje é o aniversário de nascimento de Carlos Drummond de Andrade, um de meus poetas favoritos. Drummond se dedicou também à tradução. Traduziu Balzac, Proust, Knut Hamsun, Lorca, Maeterlinck, Choderlos de Laclos e Molière, além de poemas esparsos de Apollinaire, Brecht, Paul Éluard e muitos outros poetas.

Para celebrar a data, copio aqui uma tradução de Drummond de um poema de Jacques Prévert, poeta e roteirista francês. Primeiro o original francês, depois a tradução de Drummond:

LE LÉZARD

Le lézard de l'amour
S'est enfui encore une fois
Et m'a laissé sa queue entre les doigts
C'est bien fait
J'avais voulu le garder pour moi.

(PRÉVERT, Jacques. Histoires et d'autres histoires. Paris: Le point du jour, 1963.)

A LAGARTIXA

A lagartixa do amor
fugiu mais uma vez
deixando-me nos dedos
sua cauda. Bem feito:
Eu queria prendê-la.

Essa tradução foi publicada originalmente em 30 de outubro de 1949, no Correio da Manhã, e foi recentemente republicada no livro Carlos Drummond de Andrade: Poesia traduzida, da Cosac Naify, ao lado do poema original (pp. 302-303).

sábado, 29 de outubro de 2011

Downton Abbey = soap opera?

Como muita gente vem parar no meu blog por causa da minha resenha de Downton Abbey, sou obrigada a contar a vocês que não estou gostando nem um pouco da segunda temporada. A série se transformou numa verdadeira soap opera, com muitos clichês apelativos. E o pior é que, numa série curta, esse tipo de clichê não funciona bem. Em consequência, o ritmo da série acaba sofrendo. Alguns temas importantes e de alta carga emocional se resolvem em apenas um episódio, enquanto outros temas se arrastam interminavelmente.

Maggie Smith continua fenomenal, no entanto, como Violet Crawley. Em homenagem a ela, continuarei assistindo à série, e torcendo para que o final não seja tão ruim quanto os episódios anteriores.

Aguardo com expectativa a terceira temporada de Garrow’s Law, outra série britânica sobre a qual já comentei neste blog. A BBC está prometendo o primeiro episódio para a segunda semana de novembro.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Pontuação: fechamento de aspas e sinal de pontuação – o que vem primeiro?

No final da década de 80, quando trabalhei na editora Brasiliense, o competente revisor que assinava como José W. S. Moraes, mas que nós conhecíamos como Zé Waldir, me ensinou mais ou menos o seguinte, em outras palavras:

1. O fechamento das aspas vem depois da pontuação quando temos uma frase completa e isolada.

Exemplos: “Rir é o melhor remédio.”

“Você acredita mesmo nisso?”

“É claro!”

2. O fechamento das aspas vem antes da pontuação quando a citação é continuação da frase do narrador.

Exemplo: Flusser pensava que “a poesia aumenta o território do pensável, mas não diminui o território do impensável”.

O mesmo acontece se usarmos dois pontos antes da citação:

Flusser disse: “A poesia aumenta o território do pensável, mas não diminui o território do impensável”.

3. O fechamento das aspas também vem antes da pontuação quando temos uma frase completa com a intervenção do narrador no meio.

Exemplo: “A poesia aumenta o território do pensável”, disse Flusser, “mas não diminui o território do impensável”.

Achei o sistema do Zé Waldir lógico e o adotei.  O livro: manual de preparação e revisão, da Ildete Oliveira Pinto, que vim a conhecer depois, ao trabalhar para a editora Ática, segue essas mesmas regras. A não ser que a editora adote outras normas, sigo esse sistema.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Boudicca

Estou feliz porque minha irmã e eu terminamos o trabalho urgente e imprevisto que nos foi pedido e voltamos, enfim, a traduzir Once Every Never, o livro de literatura juvenil a respeito do qual já comentei aqui mesmo neste blog.

Once Every Never é um livro de fantasia; não há uma pretensão a uma “fidelidade” absoluta aos dados históricos. Por isso o resumo histórico que contarei a seguir não se baseia apenas no livro; contém também elementos que extraí de pesquisas feitas na Internet e em vários documentários (da BBC, da Discovery Channel, da History International Channel e do Time Team) a que assisti nas últimas semanas. No livro alguns detalhes são suavizados, já que se trata de um livro para jovens adultos.

As referências históricas do livro remontam ao século I dC, quando a rainha dos icenos, Boudicca, liderou uma rebelião contra os romanos que ocupavam a Ilha da Grã-Bretanha.

Os icenos eram um povo celta que vivia na região que corresponde ao que hoje é Norfolk. O rei Prasutagos, marido de Boudicca, havia feito um acordo com os romanos, que o deixaram reinar sobre seu povo. Quando Prasutagos morreu, legou ao imperador romano, em testamento, a metade de seu reino, deixando a outra metade para a esposa, Boudicca, e as duas filhas.

A lei romana, no entanto, só admitia a sucessão pela linha masculina… Assim, os territórios de Boudicca foram anexados, a rainha foi chicoteada e suas duas filhas estupradas. (Sim, percebe-se que os romanos eram um povo evoluído…)

Entre 60dC e 61dC, o governador romano Suetônio Paulino estava na Ilha de Mona, ao norte de Gales, massacrando os druidas que ali se haviam refugiado. A ideia era mesmo destruir as bases espirituais dos povos celtas.

Boudicca aproveitou a ausência do governador para reunir várias tribos celtas e enfrentar os romanos. Os rebeldes atacaram e incendiaram várias aldeias, entre as quais Londinium (Londres).

Suetônio conseguiu, enfim, reunir todas as legiões para enfrentar o exército de Boudicca. Segundo Tácito, o exército romano contava com cerca de 10 mil homens, contra 230 mil das forças rebeldes! Mesmo assim, os celtas foram massacrados. A disciplina, as armas e a habilidade estratégica romanas eram realmente notáveis.

É uma história fascinante e que guarda muitos mistérios, já que as únicas fontes sobre a história de Boudicca são dois historiadores romanos, Tácito e Cássio Dio (ou Dio Cássio). Ou seja, a história dessa poderosa guerreira celta chegou até nós apenas pelos relatos de seus inimigos…

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Feliz Dia da Tradução!

É Dia Internacional da Tradução – por causa de São Jerônimo, que é considerado o padroeiro da tradução. São Jerônimo traduziu vários textos bíblicos do grego antigo e do hebraico para o latim, sendo o organizador da chamada “Vulgata”.

Sem querer comparar o trabalho exaustivo de São Jerônimo com o meu, tenho estado “sumida” das redes sociais exatamente por conta das exigências de meu trabalho como tradutora.

Faz parte da vida dos tradutores freelance a alternância entre momentos relativamente tranquilos e outros em que acaba não sobrando tempo pra mais nada… Mas logo devo estar de volta.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Emmy & Downton Abbey

A premiação de Mad Men como melhor drama foi, na minha opinião, merecida. Além disso, vibrei com o Emmy dado a Peter Dinklage, o Tyrion Lannister de Game of Thrones, como “Melhor Ator Coadjuvante em Série de Drama”. Dinklage é maravilhoso e dá um brilho todo especial à série. Fico feliz também que o “Daily Show” de John Stewart continue abocanhando todos os prêmios em sua categoria.

Downton Abbey, a série inglesa que comentei aqui algum tempo atrás, foi contemplada com o Emmy de “Melhor Minissérie ou Filme Feito para a TV”, o de “Melhor Direção Minissérie ou Filme Feito para a TV” (Brian Percival), o de “Melhor Roteiro para Minissérie, Filme ou Especial Dramático” (Julian Fellowes) e, obviamente, com o Emmy de “Melhor Atriz Coadjuvante em Minissérie ou Filme”, para Maggie Smith – um prêmio mais do que merecido: ela é absolutamente fantástica!

Falando em Downton Abbey, a segunda temporada acaba de estrear no Reino Unido. Não vejo a hora de poder assistir!

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

D. Pedro II, tradutor

A revista TradTerm 17, da qual falei aqui alguns dias atrás, contém um interessante artigo intitulado “D. Pedro II, Monarca-Tradutor”, de Marcia Amaral Peixoto Martins e Anna Olga Prudente de Oliveira.

Lendo esse artigo, fiquei sabendo que D. Pedro II estudou pelo menos doze línguas: grego, latim, inglês, francês, italiano, provençal, alemão, tupi, guarani, hebraico, sânscrito e árabe. O imperador dedicou-se à tradução de poemas e textos religiosos da tradição judaica e catolica: quatro capítulos do livro de Ruth e fragmentos do Gênesis, os livros proféticos de Isaías, Jeremias e das Lamentações, os livros sapienciais de Jó, o Cântico dos Cânticos e os Salmos. Traduziu também Prometeu acorrentado, de Ésquilo, e as Mil e uma noites, do árabe. Depois de abdicar, traduziu Camões para o hebraico, e parte do Velho Testamento do hebraico para o latim (inclusive o Cântico dos Cânticos, Isaías, Lamentações e Jó). Do Novo Testamento, D. Pedro II traduziu os Atos dos Apóstolos.

Segundo o artigo, a atividade tradutória do imperador foi especialmente relevante para a preservação da memória do povo judeu, pelo resgate de traduções feitas por ele a partir do hebraico.

O artigo lista várias outras obras traduzidas pelo imperador e inclui, ao final, algumas traduções de poemas efetuadas por ele.

domingo, 14 de agosto de 2011

Downton Abbey

Domingão friozinho, chuvoso. Dia ideal para tomar uma xícara de Earl Grey e assistir a uma minissérie inglesa!

Downton Abbey é uma minissérie histórica, daquelas que os ingleses sabem fazer tão bem, só que… melhor ainda. A história começa em 1912, com as notícias do desastre do Titanic. A morte do possível herdeiro de Downton Abbey no desastre faz surgir o fantasma da perda da casa e da fortuna da família para um primo distante.

O que tem de especial em Downton Abbey é que a série retrata, paralelamente à vida dos aristocratas, a rotina de seus criados: camareiras, pajens, mordomo, governanta, cozinheira, ajudantes de cozinha, motorista… Esse retrato do que se passa na cozinha, nos estábulos, nas garagens e nos porões dá um colorido todo especial à série.

O elenco é de um talento ímpar, mas não há como não destacar, de maneira especial, a atuação de Maggie Smith. Ela é um show à parte.

Os detalhes de cenografia e figurino também são de fazer o queixo cair.

Pra não dizer que eu falei que a série é perfeita: algumas subtramas, como a do visitante turco, são um tanto exageradas, e o penúltimo capítulo é apressado e confuso, dando a impressão de que deveria haver dois capítulos em vez de um. Apesar disso, é uma das melhores séries a que já assisti nos últimos tempos.

A primeira temporada já está disponível em DVD. Uma segunda temporada está assegurada, devendo estrear no fim deste ano.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Once Every Never

Once Every Never é o nome do livro (literatura juvenil) que minha irmã e eu estamos traduzindo. Foi lançado no final de junho nos EUA. A autora, Lesley Livingston, é canadense e fez muito sucesso com a trilogia "Wondrous Strange", também para jovens adultos.

Once Every Never é o livro das aventuras de Clare Reid, uma garota adolescente que consegue viajar no tempo, voltando para o século primeiro na Antiga Bretanha. O livro mistura fantasia, história e mitologia celta de um jeito bem divertido.

A experiência de traduzir em dupla tem sido, embora trabalhosa, bastante enriquecedora.

Vocês podem ver a capa do livro em inglês e mais detalhes sobre ele na Amazon ou no blog da autora.

O livro terá continuação, vai se transformar em outra trilogia. É cedo ainda para saber se traduzirei o segundo e o terceiro livros também.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

TradTerm 17 & provas do livro

Terminei a primeira revisão de provas do meu livro (Vilém Flusser: a tradução na sociedade pós-histórica) a ser lançado pela Humanitas. Dá trabalho, mas é gostoso ver o projeto avançando!

E acaba de sair a TradTerm 17, que inclui uma resenha que escrevi para o belo livro “Walter Benjamin: Tradução e Melancolia”, de Susana Kampff Lages. Nesse mesmo volume da TradTerm há vários outros artigos interessantes, como os da Marly D’Amaro Blasques Tooge, Paulo Edson Alves Filho, Irene Hirsch e do Prof. John Milton, entre outros. A TradTerm ainda não é publicada digitalmente, mas logo passará a ser. Por enquanto, ela pode ser adquirida na FFLCH, na sala do CITRAT e na livraria da Humanitas, entre outros locais.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Tudo ao mesmo tempo agora

Muito trabalho neste começo de agosto!

1) Comecei a traduzir, em parceria com minha irmã, um livro de ficção juvenil;

2) estou terminando o trabalho final da disciplina que cursei no semestre passado no doutorado;

3) a diagramação do meu livro a ser lançado pela Editora Humanitas está pronta, e eu preciso revisá-la;

4) continuo fazendo aquelas pequenas traduções para os franceses, uma vez por semana.

Por tudo isso, ainda não vai ser nesta semana que irei postar uma longa mensagem aqui. Mas espero poder contar detalhes dessas atividades assim que eu puder respirar novamente.

domingo, 24 de julho de 2011

“A Festa da Língua”: lançamento em João Pessoa

Murilo Jardelino dará uma palestra e lançará o livro A Festa da Língua: Vilém Flusser em João Pessoa no dia 30 de julho, às 10h, no Zarinha Centro de Cultura. Endereço: Avenida Nego, 140 - Tambaú. Mais detalhes no convite abaixo (clique para aumentar).

JPconvite

(Neste mesmo blog há várias outras posts a respeito desse livro e de Flusser. Clique no marcador “Vilém Flusser” para mais informações.)

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Scientia Traductionis n. 9

Acaba de ser lançada a Scientia Traductionis n. 9, que inclui o meu artigo “A autotradução como método de reflexão em Flusser”. É o mesmo artigo que foi publicado no livro Vilém Flusser: A Festa da Língua (talvez com algumas diferenças de revisão).

Fico muito honrada em ter meu artigo publicado em uma revista de alta qualidade como é a Scientia Traductionis. Este número contém diversos artigos, traduções e textos com temas interessantíssimos. Só para citar alguns: Foucault, Antoine Berman, T.S. Eliot, G.B. Shaw, G.K. Chesterton, Machado de Assis, Grande Sertão Veredas e uma entrevista com Mary Snell-Hornby.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

“This thing of darkness I acknowledge mine”

Estou lendo um livro sobre o surgimento do romance gótico (The rise of the gothic novel, de Maggie Kilgour). O meu interesse pelo gótico se une aqui à minha pesquisa acadêmica, já que a tradução que estou estudando tem influências pré-góticas.

Já nos “agradecimentos”, uma interessante menção a M. R. James, que teria demonstrado que todo trabalho acadêmico “é uma arte necromântica, em que trazemos os mortos de volta à vida”.

Concordo plenamente. Em geral a gente se compara a arqueólogos, porque fica mais “elegante”, mas tudo bem, reconheço o meu lado necromante…

terça-feira, 28 de junho de 2011

Lúcifer

Não tenho postado porque tenho estado muito envolvida com meu trabalho acadêmico. O semestre está terminando, vocês sabem como é.

Hoje pensei em comentar com vocês um dos muitos seminários interessantes que foram apresentados na disciplina “Tradução e Ética” este semestre. Trata-se do “ensaio teológico” Lúcifer, a invenção de um nome, do Prof. José Ribeiro Neto. Para visualizar os textos no original hebraico, grego e aramaico é preciso instalar as fontes, mas é possível acompanhar o artigo sem saber essas línguas. De qualquer forma, eu achei mais confortável baixar o pdf aqui.

Não creio que seja uma “descoberta” do meu colega, pois eu já havia lido textos em inglês a esse respeito. Mas o trabalho é bastante convincente, mostrando que a palavra “Lúcifer”, um hapax legomenon (palavra que ocorre apenas uma única vez em uma única obra, no caso a Bíblia), não seria, na verdade, um nome próprio. Ou seja, o nome “Lúcifer” seria um erro de interpretação ou uma invenção da tradição teológica.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

No prelo!

A Editora Humanitas acaba de incluir o release de meu futuro livro, Vilém Flusser: a tradução na sociedade pós-histórica, em sua página “No Prelo” (lá no final).

Vejo nessa mesma página, mais no alto, o release do livro de minha colega e amiga Marly Tooge, Traduzindo o Brazil: o país mestiço de Jorge Amado, o que me deixa muito feliz.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Flusser Studies 11

Saiu a Flusser Studies 11, com muitos artigos em português, devido a um simpósio sobre Flusser que ocorreu no ano passado em Lisboa. Ainda não li tudo. Li as duas cartas de Flusser — uma para o Prof. Miguel Reale, outra para a poetisa Dora Ferreira da Silva — e fiquei emocionada. (As cartas estão em português, apesar do titulo em inglês.) O artigo do Gustavo Bernardo é o mesmo que saiu no livro A Festa da Língua (vejam outras posts a respeito desse livro neste mesmo blog). Muito bom.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Minha experiência com “os franceses”

A minha primeira experiência de trabalho para uma empresa não brasileira foi positiva. Trata-se de uma firma francesa que oferece cursos de inglês on-line (E-learning) e por telefone para vários países, entre eles o Brasil. Traduzi para eles uma pequena gramática, um glossário, quase toda a interface brasileira do site e várias “ajudas de tradução” para a leitura de documentos atuais (reportagens de jornal, vídeos e documentos de áudio).

O primeiro grande desafio que enfrentei foi trocar e-mails em francês com o dono da empresa... Eu leio e traduzo tranquilamente do francês, mas meu francês escrito anda bem enferrujado. Grande parte do tempo que gastei na tradução foi para conseguir escrever essas mensagens em francês! O segundo grande desafio foi quando eu percebi que um terço do glossário que eu havia combinado traduzir por um determinado preço era altamente técnico, e que, na verdade, eu precisaria renegociar os termos do acordo, porque, realmente, não só eu não gosto de ser explorada como seria antiético aceitar trabalhar por tão pouco. Juntando esse segundo desafio com o primeiro, vocês imaginam, né? Ter de renegociar um contrato em francês com o dono da empresa? Ai, ai, ai... Acabou dando certo, ele entendeu o problema e aceitou a minha nova proposta.

O grande desafio final era tratar da burocracia para receber o pagamento. Novamente eu tive sorte: o mesmo amigo que me indicou para essa firma francesa me enviou um modelo de fatura. Embora eu estivesse preparada para “criar” uma fatura com base nas orientações do Danilo Nogueira (muito úteis), o modelo enviado pelo meu amigo já vinha com os dados da firma francesa, então foi uma mão na roda. Depois de tantas incertezas, essa etapa acabou dando certo também, ou seja, recebi o pagamento na minha conta sem maiores problemas.

Como falei em mensagem anterior, vou continuar fazendo trabalhos menores para eles ao longo do ano. Por enquanto está dando tudo certo! Vou ficar de dedos cruzados.

domingo, 22 de maio de 2011

A Ilíada de Pope

Segundo as normas do século XVIII, o tradutor era autorizado a acrescentar ou eliminar passagens, desde que seguisse “bons critérios” e que as alterações “aumentassem a força e a elegância do original”, sem trair o seu “espírito”. Isso era o que dizia, por exemplo, Alexander Fraser Tytler, no seu Essay on the Principles of Translation, de 1790.

Ora, isso é bastante subjetivo. Vejamos um exemplo do próprio Tytler extraído da tradução de Alexander Pope da Ilíada de Homero, feita entre 1715 e 1720. Usarei traduções de outros tradutores, tanto para o inglês quanto para o português, para que, por meio de comparações, possamos ter uma ideia do que poderia ser uma tradução mais literal do grego homérico. A escolha dos tradutores foi, até certo ponto, aleatória. Já o exemplo foi escolhido, entre várias passagens que examinei, porque sintetiza bem as minhas impressões a respeito das diversas traduções.

No primeiro livro da Ilíada, Aquiles, persuadido por Minerva, decide entregar Briseida, e Pátroclo é encarregado de levá-la a Agamenon.

Ως φατο, Πατροκλος δε φιλω επεπειθεθ’ εταιρω, 
εκ δ’ αγαγε κλισιης Βρισηΐδα καλλιπαρηον, 
δωκε δ’ αγειν, τω δ’ αυτις ιτην παρα νηας Αχαιών;
Η δ' αεκουσ' άμα τοῖσι γυνὴ κιεν.

A tradução “literal” fornecida por Tytler desse trecho é:

"Thus he spoke. But Patroclus was obedient to his dear friend. He brought out the beautiful Briseis from the tent, and gave her to be carried away. They returned to the ships of the Greeks; but she unwillingly went, along with her attendants."

A tradução de Pope:

Patroclus now th' unwilling Beauty brought;
She in soft sorrows, and in pensive thought,
Past silent, as the heralds held her hand,
And oft looked back, slow moving o'er the strand.

Tytler diz que as ideias contidas nos três últimos versos não estão no original, mas estão implicadas na palavra αεκουσα, que indica que Briseida ia contra a vontade e, portanto, andava devagar (move slowly) e olhava para trás frequentemente (oft look back). Na opinião de Tytler a “amplificação” de Pope dá mais efeito ao quadro, e a pausa no terceiro verso, Past silent, é “admiravelmente característica do movimento lento e hesitante que descreve”.

Vejamos como outros tradutores enfrentaram esse trecho.

Thomas Hobbes (1675):

This said, Patroclus led Briseis forth,
And to Atrides’ messengers her gave.
She with them went, though much against her heart.
Achilles from his friends went off and pray’d.

Ian Johnston (2002):

Patroclus did as his dear comrade had requested.
He led out fair-cheeked Briseis from the hut
and gave her up to be led off.

Odorico Mendes (1874):

Da tenda, à voz do amigo, traz Pátroclo
E entrega-lhes Briseida fresca e bela,
Que os seguiu pesarosa à esquadra Argiva.

Haroldo de Campos (2001):

Falou. Presta obediência ao caro companheiro,
Pátroclo. Para fora da tenda, Briseida,
belo rosto, é levada. E os dois, de volta, junto,
às naves — e a mulher a contragosto — vão.

A tradução de Johnston, a mais atual de todas, me decepcionou, por não reproduzir, de forma alguma, a tal de αεκουσα. Ele nem mesmo indica que Briseida vai a contragosto. Creio que isso seja uma falha, principalmente se considerarmos que essa tradução não se preocupa em reproduzir os elementos poéticos, mas sim, nas palavras do tradutor, a precisão (accuracy).

Todas as outras traduções citadas me parecem bastante literais. A tradução de Hobbes não me agrada nem um pouco em termos poéticos. A minha favorita, de modo geral, é a do Odorico, que consegue ser fluente e poética sem deixar de transmitir o “conteúdo”. A tradução de Haroldo me parece muito truncada pelos enjambements. É preciso levar em conta que Haroldo se preocupava em recuperar vários elementos da dicção homérica, mas, como poema, em geral eu prefiro as soluções do Odorico.

Quanto à tradução de Pope, realmente é difícil, pelas normas atuais, aceitá-la como tradução. Como poesia, no entanto, é magnífica! Ele desvela para o leitor os sentimentos de Briseida e descreve seus movimentos de acordo com esses sentimentos.

É preciso observar que, mesmo no século XVIII, nem todos aceitavam esse tipo de tradução. Um crítico da época, Richard Bentley, comentou a respeito dessa tradução da Ilíada: “It is a pretty poem, Mr. Pope, but you must not call it Homer." (“É um belo poema, sr. Pope, mas não se pode dizer que seja de Homero.”)

Por outro lado, Ezra Pound afirmou sobre as traduções de Pope em 1916: “Out of fashion though he is, he has at least the merit of translating Homer into something”. (“Por mais fora de moda que ele seja, ele ao menos tem o mérito de ter traduzido Homero em alguma coisa.”) Entendo que Pound estivesse destacando o fato de que Pope deixou a sua marca, fez uma tradução pessoal e adaptada à sua época, sendo por isso memorável, ao contrário de outras traduções que talvez até possam ser consideradas mais “corretas”, mas que não têm nenhum brilho, nenhum “sabor”.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Voltando!

Acho que posso dizer que “terminei” o trabalho para os franceses. Uso essas aspas porque, ao que parece, eles gostaram de meu trabalho e me incluíram na equipe de tradutores (de vários países) que trabalha regularmente para eles. Mas esse trabalho “regular” é mais leve, esporádico. Enfim, vamos ver. Estou cansada, depois de um mês trabalhando pesado, e não estou ainda pronta para fazer um balanço final desse trabalho – pretendo fazer isso daqui a uma semana, talvez mais.

Neste fim de semana vou descansar um pouco e retomar meus estudos do doutorado, que ficaram, não digo interrompidos, mas em segundo plano.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Textos de Flusser na Internet

O site do Grupo de Estudos em Vilém Flusser hospeda alguns textos raros de Flusser! São ensaios muito interessantes. O arquivo de textos reunidos parece estar corrompido, mas os arquivos avulsos estão inteiros.

Há outros sites mais conhecidos que hospedam textos de Flusser. Talvez o mais conhecido entre os brasileiros seja o site do Gustavo Bernardo, Dubito Ergo Sum. Maravilhoso. Temos também o Vilém Flusser no Brasil: Bodenlosigkeit, do Ricardo Mendes. E aqui mesmo no Blogger há um blog chamado Textos de Vilém Flusser.

Para quem lê em inglês e/ou alemão, a revista eletrônica Flusser Studies é uma mina de ouro. (Há também alguns textos em português, francês, tcheco...)

Last but not least, principalmente em alemão mas com alguns textos em inglês, o site do Vilém Flusser Archiv.

sábado, 23 de abril de 2011

Trabalhando pra franceses!

Gente, precisei sumir um pouco e vou continuar meio sumida porque estou traduzindo para o português uma (pequena) gramática da língua inglesa escrita em francês. Chose de loque, como diria o Jô.

É um trabalho para uma empresa francesa. O prazo é curto; algo entre duas e três semanas. É a primeira vez que trabalho para uma firma estrangeira! Depois eu conto os detalhes pra vocês.

Feliz Páscoa!

sábado, 16 de abril de 2011

Artigo de Márcio Seligmann-Silva sobre Flusser

O número mais recente de Tradução em Revista contém vários artigos interessantes, entre os quais eu destaco um sobre Flusser, de autoria do Prof. Márcio Orlando Seligmann-Silva. Eis aqui o resumo:

VILÉM FLUSSER: FILOSOFIA DO EXÍLIO E LEITURA DE UM PAÍS CHAMADO BRASIL - Márcio SELIGMANN-SILVA

O artigo destaca um verdadeiro culto da figura da “ponte” na obra de Flusser e interpreta seu projeto intelectual como um “pontificado” que se estende sobre a linguagem. Flusser, o grande comunicólogo, é descrito como sendo antes de mais nada um tradutor, Über-Setzer, e teórico da tradução, um analista e projetista de “pontes”. O texto apresenta uma leitura crítica de seu ensaio Fenomenologia do Brasileiro. Em busca de um Novo Homem.

“A Luta Indígena no Coração do Brasil”

Esta semana recebi um exemplar do livro A luta indígena no coração do Brasil, de Seth Garfield, que traduzi em 2007 para a Editora UNESP. Eu estava preocupada com a demora da editora em lançá-lo; é sempre triste quando a gente traduz um bom livro e depois ele não é publicado.

Provavelmente a demora ocorreu devido à necessidade de localizar diversos textos originais (em português) citados no livro em tradução para o inglês e obter a permissão para a sua publicação. Esse é um problema que costuma surgir quando se traduz livros de Brazilianists: eles citam os textos em tradução para o inglês, naturalmente, e o tradutor brasileiro precisa ir atrás dos originais. Fiz o que foi possível, mas alguns textos eram de difícil localização. Encaminhei a minha tradução desses textos, mas recomendei que se tentasse encontrar os originais. Espero que a editora tenha conseguido resolver todos os casos de forma adequada.

É um livro muito interessante, que trata das lutas dos Xavante para defender seu território tradicional e cultura entre 1937 e 1988. Não é apenas um livro de denúncia contra o extermínio dos povos indígenas; é também um livro que mostra como os Xavante conseguiram articular resistências a esse processo de extermínio.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

“A Festa da Tradução”

Como prometido, aqui vão alguns detalhes da palestra que o Murilo e eu daremos na próxima sexta-feira.

Título: "A Festa da Tradução: Vilém Flusser"

Palestrantes: Cláudia Santana Martins (Doutoranda – USP) e Murilo Jardelino da Costa (Uninove)

Resumo: A palestra será dividida em duas partes. Na primeira parte, Cláudia Santana Martins discutirá a teoria e a prática tradutórias do filósofo tcheco-brasileiro Vilém Flusser, que viveu no Brasil de 1940 a 1972, tendo lecionado em diversas faculdades, inclusive na Escola Politécnica da USP. Embora seja conhecido mundialmente por suas ideias sobre os novos meios de comunicação, Flusser desenvolveu também interessantes reflexões a respeito da língua e da tradução. Além de discorrer brevemente a respeito dessas reflexões, a palestrante apresentará o método de reflexão e escrita de Flusser: sendo poliglota, Flusser autotraduzia e retraduzia sistematicamente seus ensaios em quatro línguas (alemão, português, inglês e francês), na tentativa de ganhar distanciamento crítico e novas perspectivas para o tema abordado. Fundada no dialogismo, essa prática introduz, nas palavras de Bento Prado, "a pluralidade e a diferença na unidade e na identidade do próprio sujeito". Na segunda parte, Murilo Jardelino da Costa comentará a tradução das obras "A escrita", de Vilém Flusser, e "Pensar entre línguas: a teoria da tradução de Vilém Flusser", de Rainer Guldin, levando em consideração o lugar do tradutor numa perspectiva enunciativa. Alguns trechos das obras serão analisados.

Dia e horário: 15 de abril, das 14h às 15h30

Local: FFLCH-USP, Avenida Luciano Gualberto 406, Cidade Universitária, São Paulo. Prédio de Letras, sala 261.

Promoção: CITRAT e Departamento de Letras Modernas da FFLCH-USP.

Para os que têm me perguntado sobre o livro A Festa da Língua, o Murilo deverá levar alguns exemplares, que poderão ser adquiridos ao final da palestra.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Nº 21 da revista “Tradução & Comunicação”

Sim, eu já tenho um artigo publicado em livro, mas este é o meu primeiro artigo publicado em uma revista acadêmica!

A revista Tradução & Comunicação é uma publicação semestral do Centro Universitário Ibero-Americano - UNIBERO destinada a tradutores e a estudiosos da tradução.

Neste nº 21, que acaba de ser publicado, há um artigo de minha autoria: “Vilém Flusser: a dimensão crítica e dialógica da tradução”. Eis o resumo:

O filósofo Vilém Flusser é conhecido mundialmente como teórico dos novos meios de comunicação, autor de ensaios pioneiros sobre a sociedade “pós-histórica” ou “telemática”. Entretanto, sobretudo no período em que viveu no Brasil, entre 1940 e 1972, Flusser desenvolveu também interessantes reflexões a respeito da língua e da tradução. A importância que Flusser atribui à tradução pode ser explicada, em grande parte, por sua condição de exilado e poliglota. A sensação de desenraizamento (Bodenlosigkeit) permeia toda a sua obra, levando-o a se interessar pelos fenômenos da comunicação humana, a refletir “sobre os abismos que separam os homens e as pontes que atravessam tais abismos”. Vivendo e pensando entre línguas e culturas, Flusser adquiriu uma aguda percepção dos aspectos críticos e dialógicos da tradução, e suas ideias podem contribuir para uma melhor compreensão da sociedade “pós-histórica” em que vivemos.

Ainda não li os demais artigos, mas pretendo ler. É uma revista de ótima qualidade.

Link para o nº 21 de Tradução & Comunicação.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

A exceção que confirma a regra

Eu gosto de provérbios e muitas vezes procuro saber a sua origem. “A exceção que confirma/prova a regra” é uma expressão que sempre me intrigou, porque parece afirmar um completo absurdo. Normalmente uma exceção não confirma ou prova uma regra. Ao contrário: se encontramos uma exceção, em geral colocamos a regra sob suspeição. (Basta encontrarmos um pinguim para duvidarmos da afirmação de que “todos os pássaros voam”, por exemplo.)

Depois de alguma pesquisa, creio que encontrei a explicação para essa confusão. “A exceção que prova a regra” é uma tradução da expressão latina medieval “exceptio probat regulam in casibus non exceptis”, que poderia ser traduzida de modo mais completo como “a exceção comprova a regra para os casos não excluídos”. Um exemplo disso seria quando vemos uma placa dizendo “proibido estacionar após as 16h”. Dos dizeres dessa placa poderíamos deduzir a regra de que nos demais horários o estacionamento é permitido. Nessa placa, teríamos a exceção que prova a regra nos demais casos. Em suma: se não houvesse a regra, não haveria necessidade de exceção.

Temo, no entanto, que o uso “nonsense” da expressão já esteja tão disseminado que não adiante esclarecer-lhe o sentido!

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Ciclo de palestras sobre tradução (FFLCH-USP)

O prof. John Milton convidou ao Murilo e a mim para fazer a próxima “Palestra de Sexta” na FFLCH. Esse ciclo de palestras é organizado pelo CITRAT e pelo Departamento de Letras Modernas da FFLCH-USP. A nossa palestra será daqui a duas semanas, no dia 15 de abril, às 14h. O tema será relacionado à teoria e prática tradutórias de Flusser. Nos próximos dias postarei aqui o resumo e outros detalhes. Agora é trabalhar para preparar a palestra!

Artigo sobre o Bom Retiro e Flusser

O artigo é do final do ano passado, mas só o vi hoje. O professor René Decol postou em seu blog um belo artigo sobre o Bom Retiro em que Flusser é mencionado. O ensaio fotográfico é muito bonito e comovente.

Bom Retiro anos 80: O visionário Vilém Flusser e um ensaio fotográfico sobre o bairro judeu

terça-feira, 29 de março de 2011

Fotos do lançamento de “A Festa da Língua: Vilém Flusser”

Foto da mesa de debates: da esquerda para a direita, os professores José Eugênio de Menezes, Maria Teresa de Campos, Murilo Jardelino da Costa, Eva Batlickova e eu.

Lançamento livro A Festa da Lingua Flusser 21.03 (29) 

A plateia:

Lançamento livro A Festa da Lingua Flusser 21.03 (8)

E o Memorial da América Latina publicou uma reportagem a respeito do lançamento aqui.

Valeu, pessoal. Foi ótimo estar lá com vocês!

sábado, 26 de março de 2011

Tradução mimética

“Take care of the sounds and the sense will take care of itself”
Lewis Carroll

Devido às diferenças entre as duas línguas envolvidas, toda tradução implica perdas e ganhos; não é possível recuperar todos os aspectos e dimensões do texto original. É preciso escolher. Uma tradução que preservasse todos os aspectos do original não seria uma tradução, e sim uma cópia!

Um tradutor que considere a tradução principalmente como uma transferência de conteúdo não dará igual importância a outros aspectos — como, por exemplo, a sonoridade. Outro tradutor pode escolher privilegiar o aspecto sonoro e não dar tanta importância ao sentido. Existem, é claro, muitas outras escolhas possíveis, mas hoje vou me concentrar em uma radicalização desta segunda opção: as traduções ditas “miméticas”.

A tradução mimética privilegia os elementos gráficos e fonéticos de um texto, em detrimento das relações semânticas. As traduções homofônicas de Catulo feitas por Celia e Louis Zukovsky, por exemplo, procuram reproduzir o som, ritmo e sintaxe de Catulo. Os primeiros versos de Catulo 32 — um poema dedicado à amante do poeta, Ipsitilla — dizem:

 

Amabo, mea dulcis Ipsitilla,
meae deliciae, mei lepores

Os Zukovsky traduzem:

I'm a bow, my dual kiss, Ipsitilla
my daily key, eye, my eye's little leap-horse

A tradução literal para o inglês seria:

Please, my sweet Ipsitilla
My delights, my charms

Tradução literal para o português:


Por favor, minha doce Ipsitila,
minha delícia, meu encanto

Outro exemplo são as Mots D'Heures: Gousses, Rames (Mother Goose’s Rhymes) de Luis d'Antin van Rooten. Publicadas como uma coleção de poemas escritos em francês arcaico, esses poemas são, na verdade, traduções miméticas de nursery rhymes inglesas. Transcrevo aqui, como exemplo, a tradução do conhecido “Humpty Dumpty”:

Humpty Dumpty
Sat on a wall.
Humpty Dumpty
Had a great fall.
And all the king's horses
And all the king's men
Couldn't put Humpty Dumpty
Together again.

Un petit d'un petit
S'étonne aux Halles
Un petit d'un petit
Ah! degrés te fallent
Indolent qui ne sort cesse
Indolent qui ne se mène
Qu'importe un petit d'un petit
Tout Gai de Reguennes.

(Agradeço ao meu amigo Guian por ter-me chamado a atenção para essas deliciosas traduções de Rooten.)

Obviamente, essas são traduções extremamente radicais. Mas, além de divertidas, elas não são totalmente “nonsense”, e podem conter “pistas” sobre como aproveitar melhor todos os elementos envolvidos em um texto poético.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Após o lançamento (“A Festa da Língua”)

O auditório estava lotado, as apresentações foram muito boas, fomos muito aplaudidos. Enfim, um sucesso!

Eis aqui a lista dos ensaios do livro:

A FESTA DA LÍNGUA: VILÉM FLUSSER

"Meu bem, você não entendeu nada: a generosidade cética de Vilém Flusser" - GUSTAVO BERNARDO KRAUSE

Arte é "poiesis": ela cria a realidade: considerações acerca do 
conceito de Arte em Flusser - RAINER GULDIN

Uma Teoria da Mídia brasileira: o conceito de "tecnoimagem" de Vilém Flusser - MILTON PELEGRINI

Comunicação dialógica e comunicação discursiva em Vilém Flusser - JOSÉ EUGÊNIO DE OLIVEIRA MENEZES

Para uma filosofia do exílio: A. Rosenfeld e V. Flusser sobre as 
vantagens de não se ter uma pátria - MÁRCIO SELIGMANN-SILVA

Sobre a apatridade da escrita: Flusser/Borges em perspectiva - PABLO GASPARINI

Vilém Flusser, um pensador brasileiro - EVA BATLICKOVA

A pós-história de Flusser e a promessa do Brasil - RODRIGO DUARTE

A poesia na festa da língua - MARIA TERESA CARDOSO DE CAMPOS

Os espaços da escritura: pelos percursos de Flusser e o sujeito 
escritor – leitor - ELIANA MENESES DE MELO

A autotradução como método de reflexão em Vilém Flusser - CLÁUDIA MARTINS

A escrita plurilinguística de Flusser no contexto da linguagem caleidoscópica - MURILO JARDELINO DA COSTA

Quem quiser comprar o livro, ele está à venda no CBEAL, Anexo dos Congressistas, portão 12, no Memorial da América Latina, de 2ª a 6ª, das 10 às 18h. O preço é R$ 35,00.

Se houver outros lançamentos, avisarei.

segunda-feira, 21 de março de 2011

“A Festa da Língua” – lançamento hoje!

Lembrando a todos que hoje será o lançamento do livro A Festa da Língua: Vilém Flusser. Estarei na mesa de debates e falarei brevemente a respeito do meu ensaio, “A autotradução como método de reflexão em Vilém Flusser”.

Local: Biblioteca Victor Civita – Memorial da América Latina

Horário: a partir das 19h30

sexta-feira, 18 de março de 2011

Garrow’s Law (série da BBC)

Como estamos quase no fim de semana e ninguém é de ferro, vou falar de uma série de TV que estou adorando e que acho que muitos de vocês, principalmente os meus (muitos) amigos advogados, vão gostar também: Garrow's Law, da BBC.

Garrow’s Law é inspirada na vida do advogado (barrister)[1] Wiliam Garrow, que foi um pioneiro na luta por assegurar a defesa dos réus no tribunal, no século XVIII. A série tem como principal cenário o Old Bailey, sendo baseada (de modo bastante livre) em casos jurídicos reais que podem, inclusive, ser pesquisados pela Internet. Defendendo ardorosamente os pobres, os desvalidos, os injustiçados e as minorias oprimidas, Garrow teria sido também um pioneiro do método de interrogatório das testemunhas pelo advogado da parte contrária (cross-examination), abrindo caminho para o sistema legal moderno.

Há também uma trama romântica envolvendo Garrow e Lady Sarah, esposa de um dos vilões da história.

O elenco é fantástico. Andrew Buchan, que eu não conhecia, faz um trabalho excelente no papel principal. Alun Armstrong é perfeito como o mentor de Garrow, Southouse. Aidan McArdle, como o promotor público Sylvester, o principal rival de Garrow no tribunal, sabe dosar muito bem a arrogância e o sarcasmo. O mesmo pode ser dito sobre Michael Culkin, que interpreta o divertido juiz Buller.

Cada episódio trata de um tema polêmico: aborto, prostituição, escravidão, sodomia... Os cenários e figurinos contribuem para dar ao espectador a sensação de estar mesmo na Londres georgiana.

É uma série muito bem elaborada, interessante e apaixonante. Fiquei bastante feliz ao saber, pelo Guardian, que haverá um terceiro ano. É uma pena que cada ano tenha apenas 4 episódios, mas se a quantidade deve sofrer em nome da qualidade, que seja!

Os dois primeiros anos estão disponíveis em DVD. (É só procurar pelo Google ou pelo seu “buscador” favorito.)


[1] No direito inglês temos dois termos que designam dois tipos diferentes de advogados: solicitor e barrister. Solicitor é o advogado que representa os clientes nas instâncias inferiores, e barrister é o advogado com permissão para atuar nos tribunais superiores. Em Garrow’s Law essa diferença fica clara ao observarmos as funções de Garrow, que é um barrister, e Southouse, que é um solicitor.

quinta-feira, 17 de março de 2011

O Nada, a Dúvida da Dúvida, e um Haikai

O “Nada” é um conceito importante em Flusser. Aparece com frequência em seus textos. Por exemplo: em seu primeiro livro publicado, Língua e Realidade, Flusser mostra que a língua nasce do nada e do caos, e ao caos retorna constantemente em seu processo constante de recriação. Rainer Guldin aproxima o conceito flusseriano de “Nada” da tradição da cabala judaica. Guldin observa que nas tradições grega e cristã o Nada costuma ser encarado como um princípio negativo, enquanto na cabala judaica o Nada é visto como uma presença viva que, embora não se possa comparar à presença do universo criador, apresenta um caráter igualmente real e acompanha a criação como um reservatório de força que pode ser reiteradamente buscado.[1]

No ensaio “A Dúvida”, Flusser afirmou que “Somos a primeira ou a segunda geração daqueles que experimentam o niilismo vivencialmente. Somos a primeira ou a segunda geração daqueles para os quais a dúvida da dúvida não é mais um passatempo teórico, mas uma situação existencial. Enfrentamos, nas palavras de Heidegger, ‘a clara noite do nada’”. Embora considerasse o niilismo uma situação existencial insustentável, Flusser acreditava que ele precisava ser tomado como ponto de partida para toda tentativa de superação. A situação que vivenciamos, em que a dúvida desalojou a fé e o senso da realidade, deve ser aceita como um fato, embora talvez não ainda como um fato totalmente consumado. Só a partir do próprio niilismo é que poderíamos sair do niilismo.

O haikai (em inglês) que meu amigo Gavin Adams compôs a respeito de Flusser tem tudo a ver com isso:

The void below
Wings aflutter
Yet doubts aglow [2]


[1] GULDIN, Rainer. Pensar entre línguas: a teoria da tradução de Vilém Flusser. Tradução de Murilo Jardelino da Costa e Clélia Barqueta. São Paulo: Annablume, 2010, p. 184.

[2] A reprodução é permitida com citação, exceto em caso de seu uso comercial.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Tradução e Poder (em Lefevere)

Antes de mais nada, algumas explicações para os novos amigos/leitores: a minha dissertação de mestrado tratou das ideias de Flusser sobre tradução. O doutorado, que estou iniciando agora, será sobre um tema completamente diferente: uma análise de uma tradução de Os Lusíadas para o inglês do século XVIII. Com certeza ainda falarei muito sobre o meu tema de doutorado, mas, por enquanto, não quero entrar em detalhes. Naturalmente, precisarei pesquisar muuuuuuito a respeito das traduções inglesas do século XVIII. (Já comecei.)

No momento, estou lendo um livro do André Lefevere, Translation, History, Culture: a sourcebook. Há vários pontos que me interessam já na Introdução. Ele começa dizendo (a tradução é minha, um tanto “apressada”): “Tradução tem a ver com autoridade e legitimidade e, em última análise, com poder, e é exatamente por isso que foi e continua sendo tema de tantos debates acirrados. A tradução não é apenas ‘uma janela aberta para um outro mundo’, ou qualquer desses clichês superficiais. Na verdade, a tradução é um canal aberto, muitas vezes não sem certa relutância, pelo qual as influências estrangeiras podem penetrar na cultura local, desafiá-la e até mesmo contribuir para subvertê-la. ‘Quando se oferece uma tradução a uma nação’, diz Victor Hugo, ‘essa nação quase sempre irá encarar a tradução como um ato de violência contra ela mesma’.”

É, não é brincadeira, não... Em seguida, Lefevere cita alguns exemplos. Entre eles, um do século XIX:

“Enquanto os tradutores no Ocidente tinham as obras gregas e latinas em alta estima, como representando a expressão de culturas de prestígio dentro da visão de mundo ocidental, eles tratavam outras culturas, a que não atribuíam prestígio similar, de uma forma bastante diferente. Edward Fitzgerald, tradutor do Rubaiyat de Omar Khayyam, por exemplo, escreveu a seu amigo E. B. Cowell em 1857: ‘É uma diversão para mim tomar as Liberdades que bem me apetecem com esses persas, que (como penso) não são Poetas o bastante para que se sinta medo de tais excursões, e que realmente precisam de um pouco de Arte para ganhar forma’.” (“Excursões” aqui também no sentido de “desvios”, “digressões”.)

Assim, por exemplo, Fitzgerald eliminou do poema as referências a “pernas de cordeiro”, já que estas não foram consideradas por ele como dignas dos ideais poéticos “ocidentais”. (Detesto essas palavras “Ocidente”, “ocidental”, mas, infelizmente, a maioria dos teóricos europeus e norte-americanos as utiliza.)

Certo... Mas não pensem que os “ocidentais” não tomavam suas “Liberdades” também com os gregos e latinos. O tradutor francês Antoine de la Motte (1672-1731), por exemplo, reduziu a Ilíada em sua tradução à metade do tamanho do original, pela “necessidade de adaptações”. É claro que muitas dessas adaptações são perfeitamente compreensíveis, ainda hoje. As inúmeras repetições de Homero, por exemplo. Será que devem ser traduzidas “fielmente”, mesmo que isso torne o poema pesado e enfadonho?

Um fator de grande importância no século XVIII que é bastante enfatizado por Lefevere é o papel da patronagem (patronato, patrocínio): “Nem todos os aspectos do original são, aparentemente, aceitáveis para a cultura de chegada, ou melhor, para aqueles que decidem o que é ou deveria ser aceitável para aquela cultura: os patronos que encomendam uma tradução, publicam-na ou cuidam de sua distribuição. O patrono é o elo entre o texto do tradutor e o público que o tradutor quer atingir”.

Creio que ainda existe patronagem hoje em dia, sob várias formas, mas, de modo geral, esse papel de “filtragem” passou a ser ocupado pelas editoras.

Enfim, esses são alguns dos temas nos quais eu vou precisar me concentrar nos próximos anos.

sábado, 12 de março de 2011

O que são “Estudos da Tradução”?

Como eu pretendo falar sobre meus estudos, achei que seria bom fazer uma breve introdução sobre o que eu entendo por “Estudos da Tradução”. A expressão “o que eu entendo” é importante aqui, pois não acredito que existam definições universais, “essencialistas”. Toda definição implica um sujeito que está inserido em um contexto, ou seja, toda definição é histórica e ideologicamente marcada.

Os Estudos da Tradução (leia implicitamente “no meu entender” em tudo o que estiver escrito a partir daqui) procuram compreender a tradução, qualquer que seja a sua definição e prática. Não existe e jamais existirá uma definição absoluta, universal, do que seja tradução. Cada pesquisador define tradução de acordo com os objetivos de seu estudo — e precisa, naturalmente, justificar essa definição.

Um dos objetivos dos Estudos da Tradução é verificar que textos, nas diferentes épocas, foram rotulados como “traduções”, em contraste com outros que não foram assim rotulados, e procurar descobrir os motivos que levaram a essas distinções.

Outro objeto dos Estudos da Tradução é a pesquisa a respeito de que textos são traduzidos em uma época e que textos não o são. Aqui, novamente, procura-se estudar os motivos dessas escolhas.

Os Estudos da Tradução também se interessam pelos tradutores: quem são, a que classes pertencem, como ganham a vida, como se tornaram tradutores?

É preciso estudar também os discursos a respeito da tradução. Como a sociedade, os intelectuais, os próprios tradutores se referem à tradução em uma determinada época? Que metáforas são usadas para se referir à tradução? (Há metáforas muito interessantes e reveladoras! Espero poder falar nisso em outra ocasião.)

Quais são os diferentes tipos de tradução? Quais são os critérios para a avaliação de uma tradução? Que influências as traduções podem ter sobre a sociedade? Existe uma ética da tradução? Esses são apenas alguns dos temas de interesse para os Estudos da Tradução. Talvez eu venha a falar sobre alguns deles aqui no meu blog.

quinta-feira, 10 de março de 2011

O Universo das Imagens Técnicas (Flusser)

Fiquei sabendo que no dia 15 de março será lançado na Grã-Bretanha o livro de Flusser Into the Universe of Technical Images. É uma ótima notícia! Trata-se do nosso O Universo das Imagens Técnicas, lançado pela Editora Annablume em 2008.

Nesse livro, Flusser aprofunda as ideias expostas no célebre Filosofia da Caixa Preta e discute o conceito de “sociedade telemática”: a convergência das imagens técnicas (produzidas por aparelhos) com os meios de comunicação. Nas redes da sociedade telemática, a maior parte das informações correm em fios dominados por emissores centrais e controlados por feixes irradiadores. Tal estrutura pode ser qualificada como “fascista” (de fascis, feixes) e leva à pulverização da sociedade, pois cada indivíduo se comunica diretamente com o aparelho. “Todos recebem imediatamente um número colossal de informações, mas todos recebem o mesmo tipo de informação, não importa onde estejam. Ora, nessa situação todo diálogo se torna redundante.” Entretanto, Flusser localiza “fios embrionais que correm horizontalmente através dos feixes”. Esses fios transversais ligam os indivíduos dispersos em diálogos. A questão é politizar a discussão nessas redes transversais. Esse novo engajamento político não se volta contra as imagens, pois nasceu no interior da revolução técnica atual e não se opõe a ela. A metáfora do “cérebro cósmico” é a que Flusser escolhe para retratar essa sociedade: cérebro que reuniria as pessoas dispersas, conectando-as como “células irradiantes de informação”.

Embora tenha sido publicado originalmente em 1985 na Alemanha, antes mesmo do “surgimento” da Web (1989), esse livro discute questões que são fundamentais atualmente. “O Universo das Imagens Técnicas” é, na minha opinião, um dos livros mais importantes de Flusser.

quinta-feira, 3 de março de 2011

“A Festa da Língua”: lançamento em 21 de março!

A Fundação Memorial da América Latina vai lançar A Festa da Língua, um livro com 12 ensaios sobre Vilém Flusser, cada um escrito por um pesquisador de sua obra. Um desses ensaios, “A autotradução como método de reflexão em Vilém Flusser”, foi escrito por mim!!! O organizador é o professor Murilo Jardelino da Costa, e entre os outros ensaístas estão o professor suíço Rainer Guldin, grande especialista na obra de Flusser, e também os professores Gustavo Bernardo Krause e Márcio Seligmann-Silva, só para citar aqueles que conheço pessoalmente.

(Apesar de as piadinhas sobre o duplo sentido serem um tanto cansativas, adorei o título, e acho que tem tudo a ver com Flusser.)

Ainda não tenho um convite eletrônico nem imagens para mostrar, mas, com certeza, ainda vou falar muito sobre este livro, antes e depois do lançamento.

Reservem espaço nas agendas! Será na Biblioteca Victor Civita, no Memorial da América Latina, no dia 21 de março, a partir das 19h30. Haverá uma mesa de debates e os ensaístas presentes farão breves apresentações.